Como garantir uma abordagem integral para a primeira infância e na Educação Infantil, à luz dos novos marcos legais e dos avanços teóricos? Quais as concepções de criança que devem ser consideradas para assegurar essa abordagem integral? Quais experiências podem ser consideradas na gestão integral na primeira infância e na Educação Infantil?
Estas foram algumas das questões discutidas no Seminário Gestão Integral e Integralidade da Infância: Caminhos para a Educação Infantil, realizado no dia 12 de abril, no Espaço Transatlântico, em São Paulo, pelo Fundo Juntos pela Educação, composto pelo Instituto Arcor Brasil e Instituto C&A.
A organização do evento foi realizada através da Oficina Municipal, contratada pelo Fundo Juntos pela Educação para a implementação do Programa Primeiro a Infância – Educação Infantil como Prioridade. O Seminário foi realizado justamente como um momento de reflexão e discussão a partir das experiências acumuladas em três anos de execução do Programa Primeiro a Infância.
Abertura – Na mesa de abertura, o vice-diretor da Oficina Municipal, Gustavo Adolfo Pedrosa Daltro Santos, comentou que o objetivo do Seminário era promover um momento de reflexão sobre as práticas em Educação Infantil. Por sua vez, a coordenadora de projetos socioeducativos do Instituto Arcor, Milena Drigo Azal, destacou a importância que o Fundo Juntos pela Educação dá para as parcerias, em todos os níveis, como essenciais para garantir os direitos das crianças, incluindo o direito à educação.
O Instituto C&A foi representado por sua gerente, Patrícia Lacerda. Ela evidenciou como, na formulação do Programa Primeiro a Infância, foi considerada a importância de ser ouvido o território onde ele estivesse atuando, de modo a que fosse garantido o “senso de pertencimento”, a participação e a identificação local com os seus objetivos. Já o representante da Fundação Arcor, Javier Rodriguez, ressaltou que a infância representa o compromisso central e a premissa de trabalho da organização.
Direitos e concepção da infância – Na primeira mesa de debates, a fundadora e diretora da organização Avante, de Salvador (BA), Maria Thereza Marcílio, afirmou que a integralidade da infância começa a ser respeitada quando se considera que a criança é um sujeito de direitos, é uma cidadã desde a sua vinda ao mundo. “Se acreditamos que os direitos humanos são inerentes então as crianças têm direitos. Os direitos não são uma doação dos adultos para elas. Eles estão presentes desde o nascimento”, afirmou, citando a educadora Ellen Hall, fundadora da Boulder Journey School e recentemente falecida.
Maria Thereza Marcílio enumerou, em seguida, aqueles que em sua opinião são os princípios orientadores para uma Educação Infantil integral: equidade (com redução das desigualdades), singularidades e brincadeiras (reconhecendo o brincar como principal forma de compreensão do mundo), cuidar e educar (dimensões complementares e indissociáveis da Educação Infantil), inclusão, participação (reconhecer as crianças como protagonistas), articulação com o território (envolvimento da família e comunidade no processo educativo) e sustentabilidade (perceber-se parte de um todo e capaz de impactar no cotidiano de cada pessoa). A fundadora da Avante defendeu, então, uma Educação Infantil “que colabore para a construção do olhar da criança sobre si e o mundo”.
Na mesma mesa de debates, Janine Schultz, coordenadora de Programas de Educação Infantil do Instituto C&A, comentou a Educação Infantil no contexto da Base Nacional Comum Curricular, que entrou recentemente em vigor. Ela lembrou que a construção da BNCC foi caracterizada por um processo envolvendo vários marcos legais, desde a Constituição de 1988 até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, e o Plano Nacional de Educação, de 2014.
O fundamental, afirmou Janine, é a garantia da criação ao direito à Educação desde o nascimento. O direito à educação, salientou, entendido não apenas como o acesso, mas também a uma educação de qualidade e ao desenvolvimento integral. Em seguida, comentou os Direitos de Aprendizagem inscritos na BNCC, no âmbito da Educação Infantil: Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar, Conhecer-se. Para que esses direitos sejam assegurados, foram indicados os Campos de Experiências, que a Educação Infantil deve contemplar: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; e Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
“Não dá para falar de um Direito de Aprendizagem ou de um Campo de Experiência de forma isolada. Todos estão relacionados”, alertou Janine. Para ela, a concepção de criança já sinaliza os rumos que a Educação Infantil deve tomar. Nesse sentido, citou a concepção indicada nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, de 2009: “Sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura”.
Direitos da criança – A segunda mesa de debates começou com exposição de Javier Rodriguez, da Fundação Arcor da Argentina, sobre “Espaço, local, educação infantil e proteção dos direitos das crianças”. Ele lamentou que muitas vezes ainda se veja a criança como “promessa”, como “futuro”, o que na sua opinião “distrai a atenção política e social do presente”.
Comentou, então, a definição de Primeira Infância expressa na Convenção dos Direitos da Criança, de 1989: “A Primeira Infância compreende o período pré-escolar até a transição para a educação básica. Em termos operacionais, é a fase desde o nascimento até os oito anos de idade”.
Para que seja assegurado desenvolvimento integral na Primeira Infância e, portanto, a Educação Infantil integral, disse Javier Rodríguez, é essencial uma abordagem e uma gestão intersetorial, envolvendo não apenas a área educacional, mas também a da saúde, da ação social e outras.
Dessa forma, e em sintonia com a Convenção dos Direitos da Criança, defendeu que deva ser construído um Sistema de Proteção de Direitos, a partir de três planos de ação contemplando a ativa e efetiva participação do Estado:
1. Políticas públicas universais (contemplando as citadas áreas da educação, saúde, desenvolvimento social, etc);
2. Medidas de proteção integral de direitos; e
3. Medidas excepcionais.
O representante da Fundação Arcor defendeu, igualmente, a estruturação de Comitês Intersetoriais, para assegurar a articulação de ações voltadas à promoção e proteção dos direitos da criança. Tais Comitês, completou, devem contemplar a representação da família (considerando as múltiplas e novas configurações de família), os distintos setores e níveis do Estado e a comunidade como um todo, considerando as organizações e instituições da sociedade civil.
Programa Primeiro a Infância – A segunda e última mesa de debates do Seminário foi encerrada com o relato de uma experiência concreta, no marco do Programa Primeiro a Infância – Educação Infantil como Prioridade, do Fundo Juntos pela Educação. O primeiro ciclo do Programa foi implementado entre 2015 e 2017, nos municípios pernambucanos de Camaragibe, Cabo de Santo Agostinho e São Lourenço da Mata.
A coordenadora de Educação Infantil de Camaragibe, Edilma Luz, resumiu como foi a implementação do Programa em seu município. Também esteve presente o secretário municipal de Educação de Camaragibe, Denivaldo Freire Bastos.
Edilma Luz lembrou que o Programa já contribuiu no momento em que estava sendo elaborado o Plano Municipal de Educação, no primeiro semestre de 2015. Em função das discussões propiciadas pelo Programa, lembrou, a Meta 1 do Plano Municipal, relacionada à Educação Infantil, foi desdobrada em sete metas e 33 estratégias específicas para creches e pré-escolas.
A representante de Camaragibe lembrou também que o Projeto Político Pedagógico (PPP) foi o instrumento escolhido para que cada unidade de Educação Infantil dos três municípios parceiros refletisse as metas e estratégias previstas em seus Planos Municipais de Educação. Foi então iniciado um processo de construção ou revisão do PPP, com efetiva participação das comunidades escolares. “Em Camaragibe, houve uma escuta geral, inclusive das crianças e da comunidade em geral”, acentuou.
Cada PPP, notou Edilma Luz, contemplou um Plano de Ação com suas próprias metas. Os Planos de Ação das diferentes unidades escolares foram, depois, sintetizadas, para que as prioridades fossem contempladas no orçamento definido pelo Plano Plurianual do Município. “A reformulação do PPP permitiu que as comunidades valorizassem ainda mais a sua participação na educação de suas crianças. O Programa Primeiro a Infância fortaleceu na cidade a importância da Educação Infantil, como etapa primeira e fundamental do desenvolvimento”, concluiu.
Também participou da mesa Cida Freire, que atuou como consultora da Oficina Municipal na implementação do Programa Primeiro a Infância nos três municípios pernambucanos. Ela ressaltou como o Programa procurou abrir efetivamente espaços à participação das comunidades escolares na construção ou reformulação do PPP.
O vice-diretor da Oficina Municipal, Gustavo Santos, fechou o seminário, lembrando que o Programa Primeiro a Infância está no segundo ciclo, com ações ao longo de 2018 nos municípios de Capivari, Mombuca, Monte Mor, Rafard, Rio das Pedras e Saltinho, no interior de São Paulo. O Programa, concluiu, vem considerando as novas concepções de criança e Educação Infantil, apontadas em documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2009, o Marco Legal da Primeira Infância de 2016 e a recente Base Nacional Comum Curricular.