EM OUTUBRO, 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO QUE GARANTIU OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL

7 fevereiro 2018
EM OUTUBRO, 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO QUE GARANTIU OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL

No dia 5 de outubro serão lembrados os 30 anos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Em seu artigo 227, a Constituição Cidadã, como ficou conhecida, garantiu finalmente os direitos das crianças e adolescentes brasileiros e, portanto, a sua cidadania plena. Passadas três décadas, especialistas consultados pelo Instituto Arcor Brasil farão em agosto e setembro um balanço do que ocorreu no período.

Assessor da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), Vital Didonet lembra que o artigo 227 da Constituição Federal é fruto de intensa mobilização de organizações que defenderam os direitos da infância e juventude durante a Assembleia Nacional Constituinte, que trabalhou entre 1987 e até setembro de 1988.

A história – Entre outros atores, a mobilização teve a participação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef). O processo de elaboração da Constituição previa a possibilidade de apresentação de emendas de iniciativa popular e duas relacionadas à infância e juventude foram encaminhadas. 

Uma emenda, batizada de “Criança e Constituinte”, de iniciativa do Unicef e em parceria com sete ministérios, recebeu mais de 30 mil assinaturas. Outra, intitulada “Criança, Prioridade Nacional”, com apoio da CNBB, OAB e Sociedade Mineira de Pediatria, obteve mais de 200 mil assinaturas, grande parte delas obtida pela mobilização das comunidades católicas e da Pastoral da Criança, a partir de um grande empenho do secretário-geral da CNBB, o mineiro d.Luciano Mendes de Almeida.

Além disso, foram obtidas 2 milhões de assinaturas de crianças em escolas. Em um período estratégico, quando o artigo 227 seria votado, o Congresso Nacional foi cercado por centenas de crianças, mobilizadas com apoio do governador do Distrito Federal, José Aparecido, outro mineiro, e do Chefe da Casa Civil, Rui de Almeida, enquanto carrinhos de supermercado recheados com as assinaturas dos pequeninos eram encaminhados aos deputados e senadores constituintes.

O grupo que coordenava os esforços direcionados para a conquista dos direitos da infância e juventude, e que se hospedava no Centro de Convenções Israel Pinheiro, da Inspetoria São João Bosco, dos salesianos, em Brasília, resolveu recorrer diretamente ao relator da Constituinte, deputado Bernardo Cabral (PMDB-AM).

Entre outros participavam do grupo o professor Antônio Carlos Gomes da Costa, que era oficial de projetos do Unicef, o educador e poeta Deodato Rivera, o jurista Antônio Fernando do Amaral e Silva e Benedito Rodrigues dos Santos, do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua.

O grupo foi recebido por Cabral em uma sala no subterrâneo da gráfica do Senado, onde o texto da Constituição foi de fato escrito. A ideia original era que a nova Constituição tivesse cerca de 40 artigos abordando os direitos da criança e do adolescente. O relator foi enfático:

__ É preciso sintetizar em um único artigo.

E, de fato, cada um dos cerca de 40 artigos propostos foi transformado em uma palavra. O poeta Deodato Rivera ajudou a dar o toque final, e o artigo 227, depois votado, aprovado e inscrito na Constituição de 1988, soou como uma poesia:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O balanço – Vital Didonet observa que a Constituição brasileira foi a primeira a incorporar a Doutrina da Proteção Integral das crianças e adolescentes. A Doutrina vinha sendo muito discutida no âmbito internacional, no processo preparatório à elaboração da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pelas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, um ano depois, portanto, da promulgação da Constituição brasileira.

O assessor da Rede Nacional Primeira Infância nota que o artigo 227 da Constituição Federal foi a base do processo que levou à edição, em 13 de julho de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), outro marco na defesa dos direitos da infância e juventude.

Desde a promulgação da Constituição Federal, há 30 anos, outros avanços foram verificados em termos de garantia dos direitos das crianças e adolescentes, assinala Vital Didonet. Um dos avanços mais importantes, ele destaca, foi a entrada em vigor em 25 de junho de 2014 do Plano Nacional de Educação (PNE). Construído para o período de 2014-2024, o PNE aborda o sistema educacional como um todo, mas com relevante destaque para a educação de crianças e adolescentes, desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental e Médio.

Outro avanço, completa Vital Didonet, foi a edição, em 8 de março de 2016, do Marco Legal da Primeira Infância, que prevê a criação de planos, políticas, programas e ações, em benefício de toda a sociedade e em especial das crianças de 0 a 6 anos de idade, que representam um contingente atual de 20 milhões de brasileiros. O Marco Legal, assinala Didonet, enfatiza o desenvolvimento integral da Primeira Infância, por meio de ações intersetoriais, envolvendo as áreas da educação, saúde e ação social, entre outras.

O assessor da RNPI manifesta a sua preocupação, por outro lado, com fatores conjunturais que estão ameaçando, na sua opinião, os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. “As políticas públicas têm sido muito limitadas em seu alcance e a Emenda 95, que congelou os recursos sociais por 20 anos, agravou ainda mais a situação”, inquieta-se Didonet.

A Emenda Constitucional 95/2016, que institui Novo Regime Fiscal e ficou conhecida como PEC do Teto, foi promulgada no dia 15 de dezembro de 2016. A emenda estabeleceu um teto para os gastos públicos da União pelos próximos 20 anos, o que gerou muitas críticas nas áreas de educação, saúde e ação social.

A recente revelação, de que depois de muitos anos de queda, a mortalidade infantil voltou a crescer no Brasil, é um elemento particularmente preocupante, conclui Vital Didonet. Mais um motivo, para ele, para uma ampla reflexão sobre os direitos das crianças e adolescentes no país, 30 anos depois da promulgação da Constituição Cidadã.

 

  • Formatos: Publicações
"Nenhum resultado encontrado."