INFÂNCIAS PLURAIS

12 novembro 2024
INFÂNCIAS PLURAIS
Por Karine Ramos

“A tarefa do educador moderno não é podar as selvas, mas sim regar os desertos.”

C.S Lewis

A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: UM BREVE HISTÓRICO

A partir do estudo histórico sobre a infância e suas relações com as diferentes instituições sociais, compreende-se que as preocupações e priorida­des com as crianças são influenciadas conforme as rela­ções sociais, culturais e econômicas que se estabelecem nos diferentes movimentos da sociedade e, por este moti­vo, as “infâncias são plurais”.

Não é possível falar de infância e sim de “infâncias”. Os significados atribuídos à infância fazem parte de um pro­cesso de construção social e, a cada época, correspon­dem ao discurso dos modelos hegemônicos.

“[…] São modelados no interior de relações de poder e representam interesses manifestos da Igreja, do Estado, da Sociedade Civil […].” (Bujes, 2000, p.13).

Segundo Ariès (1981), que se consagrou como um es­tudioso da infância e da família, o sentimento de infância surgiu nos primórdios de uma sociedade industrial, na qual as aprendizagens formais passaram a ser de respon­sabilidade da instituição escolar, enquanto à instituição familiar caberia o lugar da afeição. A infância é uma in­venção da Modernidade, sendo que sua possibilidade de emergência – conforme Ariès (1981) – está relacionada ao desenvolvimento da escrita e da escola, além de outros fa­tores, tais como o decréscimo da mortalidade infantil, a in­fluência do cristianismo e as novas formas de vida familiar.

A partir desse lugar, vamos tecer as “infâncias plurais” sob o olhar da complexidade que o assunto exige. Ao que confere responsabilidade da escola nessa fase da vida e os desdobramentos que as oportunidades de brincar e se relacionar imprimem na história de vida e de infância de cada bebê e criança que lá estão.

Um portão, um portal para acessar marcas de uma vida toda!

A PRIMEIRÍSSIMA INFÂNCIA E A PRIMEIRA INFÂNCIA

Tebet (2013) sugere que a categoria criança não dá con­ta de toda essa transformação da cultura, devemos consi­derar também os bebês.

As afirmações de Tebet direcionam o nosso olhar para construir novas categorias de compreensão sobre as ne­cessidades e individualidades do que chamaremos de primeiríssima infância, que são os primeiros 36 meses de vida. Neste contexto, as preocupações com essa fase da vida estabelecem novas formas de pensar as exigências e as relações com os bebês em espaços educativos.

Uma cultura escolar que valoriza as relações de cuida­do, de movimento e de segurança emocional de bebês em diferentes instituições. Falar da primeiríssima infância é primeiramente reconhecê-la como um momento único com especificidades também únicas. Sabemos que mui­tos bebês que frequentam espaços escolares, na maioria das vezes, não têm o direito de ser bebê garantido. Isto acontece todas às vezes que os adultos criam expectati­vas de desenvolvimento que não são próprios para a fai­xa etária, porque não reconhecem as diferenças entre ser “bebê” e ser “criança”.

Na prática, ainda é possível perceber educadores que insistem em colocar bebês em posições nas quais o cor­po ainda não está preparado, como, por exemplo, sentar quando ainda o bebê precisa rolar; oferecer papel para realizar tarefas centradas no desejo do adulto quando os bebês estão em um momento de explorar e sentir o mun­do; quando a escola institucionaliza o sono, a fome e os esfíncteres dos bebês na Escola.

Avançamos em pesquisas e em políticas públicas, po­rém ainda é um desafio romper o prescrito do vivido. Nes­te contexto, a reflexão sobre o assunto “infâncias plurais” nos faz pensar o quão diferente são as marcas da infância em bebês que têm o direito de ser bebê garantido e os que não.

Primeira infância é o nome dado ao período entre 0 a 6 anos. Neste texto subdividimos: de 0 a 3 anos – primeirís­sima infância, e de 3 a 6 anos – primeira infância. É nessa fase que a criança constrói bases profundas de toda a sua inteligência e formas de ver e estar no mundo.

A INFÂNCIA PARA ALÉM DOS 6 ANOS…

Para podermos ampliar o nosso olhar acerca das infân­cias, precisamos compreender que a infância é a etapa inicial da vida, compreendida entre o nascimento e os 12 anos. As experiências vividas nesse período na escola e na família são cientificamente reconhecidas por afetar profundamente o desenvolvimento físico, mental, social e emocional das crianças.

Devido a estruturas curriculares, sabemos que muitas crianças, ao entrarem no ensino fundamental I, perdem o direito de brincar e de ser criança. Culturalmente este é um assunto que precisamos ampliar tendo em vista os impactos que isto traz para as crianças de 7, 8, 9, 10, 11 e 12 anos. São infâncias submetidas a exigências adultocên­tricas e expectativas que privam as crianças nesta fase da vida a continuarem vivendo as suas infâncias. Isto se dá ao fato de existirem educadores e adultos que desconhecem o impacto dessa privação no desenvolvimento humano e, por falta de conhecimento, seguem reproduzindo uma cultura escolar que tira o direito das crianças de brincar, criar e viver suas linguagens para atender a uma expectati­va de educação transmissiva e reguladora, já comprovada cientificamente como uma concepção e método de baixa demanda cognitiva e ineficiente para o desenvolvimento social e emocional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infâncias Plurais é um convite à reflexão sobre os dife­rentes contextos e direitos que garantimos às nossas crian­ças de 0 a 12 anos, especialmente como educadores, pro­fessores. Refletir e ampliar a discussão sobre a capacidade das instituições e dos diferentes profissionais da educação em compreender o valor das infâncias em diferentes ca­madas de possibilidades éticas, estéticas e políticas como um valor inegociável. Reconhecer os impactos e desdo­bramentos e tais ações e escolhas nas histórias de vida e desenvolvimento de cada bebê e criança que nos encon­tram pelo caminho.

PARA CONTINUAR LENDO

ARIÈS, Philippe. A história social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Que infância é essa? In: 23ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Gradu­ação e Pesquisa em Educação. Anais do… Rio de Janeiro: ANPEd, 2000. p.1–17. Disponível em: http://23reuniao. anped.org.br/textos/0712t.PDF. Acesso em 27 mar. 2024.

TEBET, Gabriela Guarnieri de Campos. Isto não é uma criança! Teorias e métodos para o estudo de bebês nas distintas abordagens da sociologia da infância de língua inglesa. 2013. 160 f. Tese (Doutorado em Ciências Hu­manas) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ ufscar/2307. Acesso em 15 mar. 2024.

LEWIS, C. S. Uma força medonha. São Paulo: Martins Fon­tes, 2012.


KARINE RAMOS é licenciada em Pedagogia, especialis­ta em gestão escolar, Mestre em História e Historiografia da Educação e Doutora em Educação pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Edu­cação da PUC-SP.

Ministra cursos de formação de professores nas Redes pública e particular de ensino. Já atuou como coordena­dora de núcleos de educação de 0 a 3 anos e 3 a 6 e tam­bém no Ensino Fundamental I.

Realiza grupos de estudos como estratégia formativa sobre a abordagem Reggio Emília, Emmi Pikler, Projetos investigativos, documentação pedagógica e Arquitetura Escolar com enfoque no espaço educador. Realizou cur­sos de aprofundamento na Itália, Peru, Canadá e Argenti­na sobre abordagem Reggio Emília.

É sócia-fundadora e diretora de projetos do “Ateliê Que­ro Quero – Marcenaria inventiva”, que tem como foco espa­ços de aprendizagem.


*Artigo publicado no Livro Cultura da Infância, do Instituto Arcor.
Para fazer o download da publicação completa, CLIQUE AQUI.

INFÂNCIAS VIVENCIADAS – KARINE RAMOS

1.Qual era a sua brincadeira favorita; em casa, no quintal, na escola?
Dançar.

2.Alguma música da sua infância que sempre ecoa em sua memória? Escreva um trechinho dela.
“… Numa folha qualquer, eu desenho um sol amarelo…”

3.Qual brincadeira de rua você mais participava com outras crianças?
Elástico.

4.Quais adultos foram marcantes positivamente em sua infância?
Minha avó, meus tios e meus pais.

5.Um livro, história ou autor inesquecível que descobriu na sua infância.
Manuais de curiosidade eram meus preferidos.

6.Alguma coisa que dava medo quando criança?
Dormir sozinha.

7.Um sonho de criança… Ele foi realizado?
Sim, ser professora.

8.Tem uma criança dentro de você. O que você diria para ela?
Você é corajosa e brincante, não tenha medo, brinque!

 

 

  • Categoria: Famílias, ONGs, Professores
  • Formatos: Livros
  • Temas: Direitos das crianças, Primeira Infância
  • Ambientes e espaços: Aula, Casa
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