SAÚDE DA INFÂNCIA ESTÁ SENDO COLOCADA EM SEGUNDO PLANO NA PANDEMIA, ALERTA WEBINAR

3 novembro 2005
SAÚDE DA INFÂNCIA ESTÁ SENDO COLOCADA EM SEGUNDO PLANO NA PANDEMIA, ALERTA WEBINAR

Crianças e adolescentes, sobretudo das famílias mais pobres, estão sendo colocados em segundo plano no contexto da pandemia de Covid-19, e com isso estão sofrendo muitos impactos indiretos em sua saúde física e mental. A advertência foi feita na manhã desta quarta-feira, dia 13 de maio, pelos palestrantes do webinar “Cuidado, saúde e equidade: pandemia e infância na América Latina”, realizado em parceria entre a Fundação Arcor, da Argentina e Chile, Instituto Arcor Brasil e Equidade para Infância na América Latina.

Este é o segundo webinar promovido pelos parceiros, relacionado à garantia dos direitos da infância diante da pandemia. O coordenador de Equidade para Infância, Alberto Minujin, abriu o webinar, destacando a importância de se debater “ideias e ações sobre como a pandemia afeta a infância, a adolescência e as famílias em situação de pobreza”. O coordenador de investimento social da Fundação Arcor, Javier Alberto Rodriguez, apresentou os palestrantes e mediou as discussões.

Infância e estereótipos – “Qual o lugar que a saúde da infância está tendo na atual pandemia?” A indagação foi do especialista em saúde infantil, da adolescência e mulheres, Raul Mercer, master em Ciências Epidemiológicas pela Universidade de Madison (WI. EUA) e médico especializado em Pediatria pela Universidade Nacional de La Plata (UNLP). Ele mesmo respondeu, lamentando que as questões de saúde das crianças e adolescentes, sobretudo das famílias em situação pobreza, de estão ficando em segundo plano no cenário da atual crise sanitária global.

Essas questões estão recebendo “escassa consideração”, por parte da imprensa e sociedade em geral, observou Mercer, que é professor de pós-graduação na UNLP, FLACSO e UNER na Argentina e na Universidade de Manizales na Colômbia. “Salvo nas questões educativas, a infância tem sido deixada em segundo plano, em comparação com outros grupos populacionais que apresentam vulnerabilidades próprias, como os idosos e os trabalhadores da saúde”, completou.

Mercer alertou que a pandemia tem atuado como “um amplificador das questões que já existiam, como a iniquidade e as injustiças”, o que está multiplicando os riscos para a saúde e condições gerais das crianças e adolescentes das famílias mais pobres. Ele também advertiu para os vários tipos de preconceitos que a pandemia despertou, inclusive com relação à infância. “A discriminação pode aumentar o risco de infecção”, alertou Mercer.

Na sua opinião, a pandemia tem resultado em sérios impactos indiretos para as condições de vida das crianças e adolescentes de famílias em situação de pobreza. “A morte de um pai e de um avô pode ter um efeito devastador na vida dessas crianças, e isso já está acontecendo”, salientou.

O especialista alertou também para questões relevantes para a saúde de adolescentes, como aquelas relacionadas a sexualidade, que estão sendo igualmente deixadas em segundo plano no cenário da pandemia. Com isso, aumenta, por exemplo, o risco de gravidez precoce e de doenças sexualmente transmissíveis.

A situação de confinamento, a que milhões de crianças e adolescentes estão sendo submetidas em todo planeta, também cria as condições para incremento da violência doméstica e do sedentarismo, completou Raul Mercer, para quem a pobreza e as iniquidades representam “a principal pandemia que afeta sobretudo os mais pobres, e a Covid-19 amplificou isso”, completou, pedindo então maior atenção dos poderes públicos, mídia e sociedade em geral para as questões de saúde da infância e adolescência.    

Efeitos psíquicos – Os efeitos psíquicos da pandemia em crianças e adolescentes foram por sua vez evidenciados por Joyce Goldstein, representante da Comissão de Crianças/Adolescentes da FEPAL – Federação Psicanalítica da América Latina.

Ela alertou que, entre outros, o tema da morte “hoje ronda a mente dos pais e o ambiente familiar, e as crianças recebam, captam, entendem que o clima não é bom, e nem todas conseguem expressar o que sentem da melhor forma”.

Desta forma, frisou que os pais “devem estar atentos às manifestações verbais e não verbais das crianças, falem para elas o que acontecendo de verdade, expliquem de acordo com a capacidade de metabolizar de cada criança”.

Joyce notou que as crianças expressam os seus pensamentos através do desenho, do jogo, do brincar, e por isso é relevante que, no período do isolamento social, “os pais ofereçam um espaço para que elas expressem o que estão sentindo”.

A representante da FEPAL comentou ainda que “a constituição da subjetividade da criança é construída e transformada na sua relação com o mundo”. E o mundo da criança, continuou, é constituído “pela escola, os amigos, os professores e o brincar”. Assim, nesse momento de confinamento “esse mundo, esse lugar da criança está deslocado, alterado, e não tem como essa situação não causar impactos e manifestações importantes e até preocupantes na construção da subjetividade infantil”, advertiu a especialista.

Joyce Goldstein destacou que “as crianças das classes mais favorecidas estão recebendo atendimentos psicoterápicos virtuais, estão sendo acolhidas em suas ansiedades, fantasias, em seus sonhos, e expressam seus temores por desenhos, brincadeiras e outros recursos” que são oferecidos virtualmente pelas escolas.  

Por outro lado, considerando o cenário de “gritante desigualdade e de situações de pobreza e miséria” existentes no Brasil, onde ocorrem “falhas importantes nas políticas de saúde, educação e proteção”, ela atenta para o contexto dos lares de famílias em conde pobreza,  “onde conflitos dramáticos, pela fome, o desemprego, a desassistência em geral, estão criando sérios danos na construção da subjetividade das crianças”.

Muitas dessas crianças, prosseguiu, têm pais e mães que trabalham como atendentes de enfermagem ou outras funções em hospitais. “E esses pais e mães estão dormindo no próprio hospital, para não contaminar os filhos, e com isso os filhos estão sendo distribuídos por vizinhos, amigos”, o que também impacta na condição psíquica das crianças. “Há relatos sobre crianças que não param de chorar, de perguntar onde está a mãe, o que está acontecendo”, comentou.

Sem o contato com a escola, reiterou, as crianças “estão perdendo muito em termos de estrutura, do modelo que os professores representam”.  Para muitas crianças de famílias em situação de pobreza, disse Joyce, a escola representa “o único lugar onde se sentem realmente seguras, com organização e subjetivação. É o lugar onde estão sendo, pertencendo, através dos cuidados dos educadores, e sem isso elas perdem muito”. A representante da FEPAL reiterou, então, o pedido para uma urgente maior atenção para a saúde das crianças, no contexto da pandemia de Covid-19.

Cuidado integral – O cuidado integral no âmbito familiar foi por sua vez comentado no webinar pela doutora em Ciências Sociais Maria Edith Pacheco Gomez Muñoz, pesquisadora do Colmex – El Colegio de México e do Centro de Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais.

Para ela, de fato a pandemia evidenciou muitas situações já existentes, e uma delas é a importância do trabalho da mulher no contexto familiar. No cenário de confinamento, ficou nítido como a carga de trabalho da mulher é muito maior do que a dos homens. “Há uma clara diferença de dedicação de tempo de trabalho para a família”, comentou.

No atual período de confinamento, no qual as crianças não estão na escola, observou a especialista, representa um grande desafio para as famílias “refletir e identificar estratégias para a organização do tempo e das tarefas, como a preparação de alimentos, a limpeza do lar, e como isso tudo poder feito de forma não violenta”. A separação dos pais, dos avós, muitos deles vivendo isolados, sem poder ser atendidos de forma adequada, também é um drama para muitas famílias, com efeitos importantes para as crianças e adolescentes, destacou a pesquisadora do Colmex.

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