O BRINCAR COMO UM DIREITO DA CRIANÇA

16 agosto 2024
O BRINCAR COMO UM DIREITO DA CRIANÇA

Por Vilma Silva

TUDO COMEÇA COM CURIOSIDADE – SERIA ENTÃO UM DIREITO?

Inicio esta conversa com algumas perguntas sem respostas para gerar outras perguntas sem respostas. Tenho em mim que as perguntas são aliadas da curiosidade.

De onde vem sua curiosidade?

Você tem familiaridade com ela?

Quais marcas ela deixou/deixa no seu corpo?

Como ela se transformou e te transformou ao longo dos anos?

A palavra curiosidade, que vem do latim curiositas, desejo de conhecer, também carrega em si outras palavras: cura e idade.

Pablo Neruda (1904-1973), poeta chileno, era um curioso, perguntava mais que criança, muitas perguntas pareciam absurdas ou difíceis de responder. No “Livro das perguntas”, que é uma espécie de testamento poético do olhar menino do poeta, elas aparecem a partir de um jeito diferente de ver as coisas, divertidas, reflexivas, verdadeiros labirintos que servem para indagar o cotidiano.

Das que mais me tocaram, compartilho algumas:

“Quando vejo de novo o mar,

o mar me viu ou não me viu?

O amarelo dos bosques

é o mesmo do ano passado?

E por que o céu está vestido

tão cedo com suas neblinas?

É verdade que no formigueiro

os sonhos são obrigatórios?”

São tantas, que talvez não seja mesmo para encontrar respostas. Mas uma coisa é certa, o poeta continua acessando o manancial da curiosidade que existe na cabeça questionadora de todas as crianças, aquele que tem vontade de conhecer e de descobrir com todos os sentidos.

Mas esse manancial ainda existe em nós? Como preservar?

Secou?

No Grupo de Pesquisa FIAR/UFF, onde realizei parte dos meus estudos, a formação estética docente tem sido nosso foco de investigação para compreender os processos de percepção, sensibilidade e interpretação do mundo, sempre em constante estado de pergunta como, por exemplo:

Onde acontece a formação estética do professor? Como sua história de vida, dentro e fora da escola, desenhou percursos formativos pela via estética? Qual a contribuição da arte para a formação dos professores de Educação Infantil? A arte está presente em seus processos formativos – de que maneira, em que tempos, que espaços, com quem? (Ostetto, 2019, p. 60-61).

Pensamos que a formação estética está conectada com a singularidade do cotidiano, nas formas de encontros de cada um, nas experiências que alimentaram o ser poético ou silenciaram as muitas maneiras de ser e estar no mundo. Em minha pesquisa/tese, ressalto que “[…] Presenças e ausências contam na formação ao longo da vida, pois nos deslocam em aprendizagens e, entre dores e delícias, marcam a educação de nossas sensibilidades.” (Silva, 2022).

Como formadora, pergunto-me como contribuir no processo de formação estética de professores que trabalham com crianças para assumirem a dimensão estética como princípio, ou seja, uma formação que possa ativar, refinar e desenvolver a sensibilidade, abrindo espaço para a curiosidade.

Por isso, as propostas de formação, em especial de formação estética, devem considerar os processos de percepção, de imaginação, de interpretação, de subjetividade e de sensibilidade. E quem sabe resgatar o “[…] (re) encontro com o feito à mão, o artesanal; que provoquem memórias, que abram oportunidades para cada um falar de si, tecendo o sentir no coletivo. Essa perspectiva coloca em foco as experiências, na articulação entre passado, presente e futuro.” (Silva, 2022).

Já para as crianças, o lugar de curiosidade está na exploração de corpo inteiro, pronto para o que der e vier. Nas palavras da educadora italiana Rinaldi (2012), a criança é forte, poderosa e rica em potenciais e recursos, desde o nascimento. Percebe o quanto “[…] é conduzida pelo enorme potencial de energia de 100 bilhões de neurônios, pela força do desejo de crescer e de levar a sério a tarefa de crescimento, pela incrível curiosidade que a leva a procurar a razão de todas as coisas”.

O que fazemos com essa ordem natural de explorar o mundo das crianças?

Os sentidos são nossas portas de acesso ao mundo, e as crianças têm o direito legal de vivenciar um currículo, a partir de princípios estéticos, éticos e políticos. E se estamos falando em direito, chamo para essa conversa o educador, artista plástico e escritor italiano, Gianfranco Zavalloni, que lançou, em 1994, um manifesto com os 10 direitos naturais da criança. Em seu livro “A pedagogia do caracol: por uma escola lenta e não violenta” (2015), convite é para adotarmos um olhar que priorize a desaceleração da educação para as escolas poderem acolher a inteireza do ser criança.

Nesses direitos, Zavalloni vai tecendo outros paralelos imprescindíveis para nós, educadores, olharmos, como o tempo expandido, a qualidade dos espaços e a relação com a natureza.

O direito ao ócio;

O direito a se sujar;

O direito aos odores;

O direito ao diálogo;

O direito ao uso das mãos; O direito a um bom início; O direito à rua;

O direito ao selvagem; O direito ao silêncio;

O direito às nuances.

Quem sabe esses direitos possam se juntar com outros direitos para garantir uma educação que conecta os fios numa trama de sentido. Estética, atenção, corpo, percepção, hipóteses, perguntas, novas perguntas e outras e mais outras, tecendo assim, o direito à curiosidade.

PARA CONTINUAR LENDO

NERUDA, Pablo. Livro das perguntas. Tradução: Ferreira Gullar. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

OSTETTO, Luciana Esmeralda. Com o pensamento do coração, entrelaçando docência e formação estética. Atos de Pesquisa em Educação. Blumenau, v.14, n.1, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.7867/1809-0354.2019v-14n1p57-77. Acesso em: 023 BR. 2024.

RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender. Tradução: Vania Cury. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

SILVA, Vilma Justina, Ateliês de espaços efêmeros na formação estética docente: atravessamentos e ressonâncias. 2022. 345f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.

ZAVALLONI, Gianfranco. A Pedagogia do caracol: por uma escola lenta e não violenta. Tradução: Renata Holmuth Motta. Americans, SP: Adonis, 2015.


VILMA SILVA é educadora, aprendente, pesquisadora, provocadora, curiosa e encantada. Pedagoga e Mestre em Educação e Currículo pela PUC/SP.

Doutora em Educação na Universidade Federal Fluminense (UFF), na linha de Pesquisa, Linguagem, Cultura e Processos Formativos, com cotutela na Universitat de Giro-na (UdG), na Espanha, e Arte e Educação.

Atua na área de Educação, com foco na infância. Inquieta com a formação dos educadores e os espaços de formação, fundou o “Calore Ateliê – Educação, Cultura e Arte” em São Paulo/SP, onde trabalha com consultoria, assessoria, cursos e ateliê orgânico.


*Artigo publicado no Livro Cultura da Infância, do Instituto Arcor.
Para fazer o download da publicação completa, CLIQUE AQUI.

INFÂNCIAS VIVENCIADAS DE VILMA SILVA

  1. Qual era a sua brincadeira favorita; em casa, no quintal, na escola?

Por mais incrível que pareça, minha brincadeira favorita era dar aula para um milharal que tinha no terreno ao lado da minha casa. Eu colocava uma lousa na parede e os milhos enfileirados eram meus alunos. E eu era bem brava, reproduzia as referências que tinha…

  1. Alguma música da sua infância que sempre ecoa em sua memória? Escreva um trechinho dela.

Minha casa não era muito musical, mas meu pai era poeta e compositor repentista, então minhas memórias são das poesias dele. Dizia meu velho pai, “nem sempre as coisas saem do jeito que a gente pensa”. Abraão Justino.

  1. Qual brincadeira de rua você mais participava com outras crianças?

Brinquei muito na rua de terra, que depois foi asfaltada. Jogar taco era uma brincadeira de equipe bem legal e sempre presente no nosso grupo.

  1. Quais adultos foram marcantes positivamente em sua infância?

Sem dúvida meu pai. Ele foi toda a minha referência do lúdico. Tive uma infância mágica com ele.

  1. Um livro, história ou autor inesquecível que descobriu na sua infância.

História dos Saltimbancos, pois participei de uma peça de teatro na Biblioteca Municipal do bairro. Ganhei o papel da gata e isso marcou muito a minha infância. Cantar, decorar toda a história, interpretar e apresentar várias vezes para muitos públicos.

 Alguma coisa que dava medo quando criança?

Sempre tive medo de escuro e filmes de terror. Permanece.

  1. Um sonho de criança… Ele foi realizado?

Eu sonhava em ser modelo, professora, viajar para o exterior; creio que o realizei. Depois tive mais sonhos. Não paro de sonhar.

  1. Tem uma criança dentro de você. O que você diria para ela?

Minha criança é muito viva, ela é minha pulsão de vida, temos uma relação de intimidade, gratidão e cuidado.

  • Categoria: Famílias, ONGs, Professores
  • Formatos: Publicações
  • Temas: Direitos das crianças
  • Idades: Todos
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