O ADULTO MEDIADOR NA INTERAÇÃO COM A CRIANÇA EM AMBIENTE ESCOLAR

13 janeiro 2025
O ADULTO MEDIADOR NA INTERAÇÃO COM A CRIANÇA EM AMBIENTE ESCOLAR

Por Maria Alice Proença

“Brincar é uma forma de fazer poesia.”

Renata Meirelles

Mediar: ficar no meio, estar, ou passar ENTRE duas coisas, duas pessoas, dois fatos, dois pontos… Intermediar…

Com olhos de meninas e meninos curiosos em bus­ca de constantes descobertas e desejo de conhe­cer o mundo ao seu redor, esse texto é um pretexto para destacar o papel das relações entre adultos e crianças no contexto cotidiano das instituições educacionais. Um convite para pensar em intenções, possibilidades, desafios e sujeitos em interação no ambiente escolar.

O que move o sujeito educador? O que faz sentido em sua prática pedagógica cotidiana? O que orienta as esco­lhas que faz? Que elementos são constituintes da postura do educador? A que educador estou me referindo? São questões norteadoras na elaboração das ideias a seguir.

Dois pontos de partida: os conceitos de vínculo e a ima­gem/concepção de criança, na qual o educador tem como valor fundante na sua docência. A construção de vínculos afetivos é fundamental para que aprendizagens significati­vas aconteçam na jornada diária das instituições. Um adulto disponível a se abrir às relações com as crianças, curioso para acompanhar as investigações genuínas que elas fa­zem o tempo todo e as explorações imprevisíveis que mer­gulham com o corpo e muitas emoções; além disso, lidar com comentários inusitados e perguntas desafiadoras para as quais não temos respostas imediatas.

Vínculos de confiança são construídos e fortalecidos, ao longo da convivência no cotidiano, que varia de criança para criança, sem rotular o tempo necessário para cada uma se sentir à vontade para se relacionar com o(s) adul­to(s) de referência, demais crianças do seu grupo e se fa­miliarizar com o espaço que ocupa. Os educadores, passo a passo, se entregam à observação das ações das crianças, que indicam suas preferências e desejos para poder poten­cializá-las em interações cada vez mais significativas. Aco­lher, esperar, propor…

A clareza da imagem de criança que norteia a atitude do educador é essencial na construção de seu planejamento di­ário. A criança potente é uma força movente na construção de conhecimentos, nas relações entre sujeitos com os quais convive, o que requer tempo de espera para o seu desen­volvimento, a alternância de idas e vindas em suas atitudes, espaços de incômodo para o adulto por falta de respostas imediatas, mas a aposta de que cada criança, no seu tempo e a seu modo, é capaz de se expressar e se comunicar em di­ferentes linguagens. Com essa crença, as escolhas do educa­dor vão sendo feitas na composição de contextos de investi­gação nos espaços da instituição, adequados e organizados à continuidade das pesquisas de cada criança no dia a dia.

O papel do educador é de mediar ações das crianças e ser um propositor de possibilidades interativas entre crianças, entre a criança e objetos que despertam a sua curiosidade, entre a criança e as múltiplas linguagens expressivas, como arte, música, literatura, corpo e movimento, o brincar… A partir do uso de instrumentos metodológicos, ferramentas imprescindíveis do educador, a intencionalidade de suas ações vai sendo lapidada e fortalecida: observações feitas; registros realizados por escrito, fotografias, vídeos, painéis com desenhos, gravações de vídeos; documentações pe­dagógicas socializadas em paredes, portfólios, folders; planejamentos diários prévios e vividos, seguidos por ava­liações cotidianas para os encaminhamentos das propos­tas seguintes; e muitas reflexões questionadoras de novas oportunidades para aprendizagens, que se materializam em perguntas com novas observações e planejamentos.

Com esses instrumentos em mãos (Proença, 2018), o edu­cador elabora propostas cada vez mais desafiadoras para contemplar interesses, necessidades, desejos e curiosida­des de cada criança, e do grupo em conjunto, potenciali­zando aprendizagens com sentido para todos, crianças e educadores. Com isso, o fortalecimento da autoestima de cada sujeito aprendiz ao se reconhecer nos contextos de trabalho das instituições, nas propostas de investigação fei­tas em salas de referência e espaços externos, tem a pos­sibilidade de se sentir acolhido, fortalecer vínculos e dar continuidade às suas aprendizagens.

O adulto educador, que tem a intenção de construir aprendizagens significativas para seu grupo, seu desenvol­vimento pessoal e profissional, gradativamente se apropria da sua função de mediação ENTRE possibilidades, oportu­nidades e valores com os quais quer deixar as suas mar­cas no processo de ensino-aprendizagem com os sujeitos com quem convive cotidianamente. Aprender e ensinar se complementam como facetas do processo de construção e fortalecimento de relações humanas, compartilhadas no ambiente escolar, baseadas em vínculos afetivos, de coo­peração e solidariedade, nos quais a participação de todos, adultos, crianças e seus familiares, tem muito a contribuir, uma ciranda formativa a favor de uma cultura do coletivo de aprendizagens.

Com esse olhar, os ambientes de aprendizagem são po­tentes educadores. À medida que os espaços físicos das instituições são reconhecidos pelas crianças, carregados de afetos e acolhimento dos sujeitos que deles fazem parte, as interações em pequenos grupos e/ou no grande grupo, vão acontecendo de maneira cada vez mais prazerosa e desafiadora. Gradualmente, espaços físicos vão se transfor­mando em ambientes afetivos, estimuladores, propulsores de aprendizagens, que revelam a identidade dos sujeitos que a eles pertencem. O sentimento de pertencimento for­talece a autoestima de crianças e dos adultos, vínculos de confiança e novas aprendizagens.

A postura do adulto mediador em ambientes de aprendi­zagens também desvela a autonomia como meta da educa­ção, conceito pesquisado por Jean Piaget (1896-1980), que o define como a capacidade humana de se autogovernar, de fazer escolhas conscientes, cada vez mais elaboradas. Com essa crença, o adulto organiza um ambiente que pro­mova ações independentes, autônomas e desafiadoras das potencialidades das crianças, ações observadas e registra­das pelo adulto, que se encanta com o seu desenvolvimen­to em esquemas cada vez mais complexos de exploração. Dessa forma, um protagonismo compartilhado vai se estru­turando a partir das pesquisas da criança e da proposta do educador nos ambientes escolares, um ‘co’protagonismo, segundo Loris Malaguzzi (1920-1994), articulador da abor­dagem de Reggio Emilia (Itália) para a educação infantil.

Ambientes que propiciem as investigações das crianças, o acolhimento à diversidade de ser e estar no mundo, ex­periências afetivas e instigantes para todos. Contextos com múltiplas linguagens expressivas e muitas oportunidades para crianças e adultos viverem relações interativas têm a possibilidade de fortalecer crianças para a vida em grupo, com seus direitos preservados, em especial o de brincar.

O brincar, linguagem genuína da criança se apropriar do mundo, deve nortear o cotidiano do educador, que obser­va suas brincadeiras, encanta-se com suas descobertas, se põe no jogo quando convidado a participar, acolhe suas in­venções com uma reorganização do ambiente, escuta com sensibilidade e atenção os diálogos e ações das crianças, tanto individuais quanto em duplas ou grupos em espaços abertos e ambientes menores. Todos os espaços podem ser ambientes afetivos de aconchego e muitas vivências ex­ploratórias se tiver um adulto disponível para interagir com as crianças, muitas vezes pelo olhar que acolhe: a presença é um presente!

O adulto mediador de interações constrói ao longo do seu percurso na docência uma postura de abertura para vivenciar novas situações no cotidiano, surpreende-se com o inusitado, duvida e lança novas possibilidades diante do que sempre foi feito, se questiona quanto ao que pode fa­zer de outro jeito, lida com conflitos como oportunidades para novas ações… desenvolvimento pessoal e profissional em busca da qualidade, rigor e compromisso ético consi­go mesmo, com a profissão docente e, em especial, com as crianças: O que me move como educador? Quais marcas eu quero deixar?

Se partirmos de dois pontos, os conceitos de vínculo de confiança e imagem de criança potente na construção de ambiente afetivo e o papel do adulto como mediador de aprendizagens significativas, fecho esse texto com muitos pontos em aberto a serem entrelaçados/costurados nas mãos de cada educador com desejo de fazer a diferença: “O que mais eu posso fazer para ir além?” Narrar a própria história, cultivar relações afetivas, compartilhar conquistas e desafios, insistir, persistir e resistir para fortalecer o exercício da docência, a fim de que as crianças tenham um ambiente de aprendizagens como um direito de aprendizagem com alegria! E para você, educador, faz sentido? Afinal,

“Se não houver fricção, não sai faísca!”

Stela Barbieri

PARA CONTINUAR LENDO

PROENÇA, Maria Alice. Prática docente: a abordagem de Reggio Emília e o trabalho com projetos, portfólios e redes formativas. São Paulo: Panda Educação, 2018.

MARIA ALICE PROENÇA é Doutora em Educação e Cur­rículo pela PUC-SP, Mestre em Didática e Metodologia pela Faculdade de Educação da USP e graduada em História. Formadora de professores das redes pública e privada de São Paulo é assessora pedagógica da rede particular, coor­denadora e fundadora do Grupo de Estudos sobre Projetos (GEP) e coordenadora do projeto Paz se Faz com Arte, em parceria com o Museu de Arte Moderna (MAM) e a Aliança pela Infância. Professora do curso de Pós-graduação sobre Reggio Emilia no Instituto Singularidades, em São Paulo, e da pós-Cartografias do Coordenador Pedagógico na A Casa Tombada. Autora dos livros Prática Docente – A Abor­dagem de Reggio Emília e o Trabalho com Projetos, Portfólios e Redes Formativas e O Registro e a Documentação Peda­gógica – Entre o Real e o Ideal… o Possível, ambos pela Pan­da Educação.


*Artigo publicado no Livro Cultura da Infância, do Instituto Arcor.

Para fazer o download da publicação completa, CLIQUE AQUI.


INFÂNCIAS VIVENCIADAS – MARIA ALICE PROENÇA

  1. Qual era a sua brincadeira favorita; em casa, no quintal, na escola?

Sempre encantada com bonecas, casinha e escolinha, nas férias, no dia a dia, com outras crianças ou sozinha… Paixão de criança!

  1. Alguma música da sua infância que sempre ecoa em sua memória? Escreva um trechinho dela.

“Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar…” E “Se essa rua, se essa rua fosse minha”, canto para meus netos, como sempre cantei para meus filhos.

  1. Qual brincadeira de rua você mais participava com outras crianças?

Esconde-esconde, pegador… uma farra coletiva!

  1. Quais adultos foram marcantes positivamente em sua infância?

Minha avó e minha mãe, grandes contadoras de histórias, adorava ouvi-las.

  1. Um livro, história ou autor inesquecível que descobriu na sua infância.

Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria… adorava! E Pedro Malasarte, fazedor de arte.

  1. Alguma coisa que dava medo quando criança?

Brincadeiras que citavam o homem do saco, eu fugia delas…

  1. Um sonho de criança… Ele foi realizado?

Sim, muitos, em especial ter sempre muitas crianças perto de mim, sempre adorei!

  1. Tem uma criança dentro de você. O que você diria para ela?

Brinque muito, conte muitas histórias, faça muitas perguntas, seja sempre curiosa.

 

 

 

  • Categoria: Famílias, ONGs, Professores
  • Formatos: Livros, Publicações
  • Temas: Primeira Infância, Vínculos saudáveis
  • Ambientes e espaços: Aula, Casa
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