De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mais de 1,5 bilhão de crianças e jovens estão em seus lares, em 160 países, em razão do fechamento de escolas pela pandemia do novo coronavírus. Nesta situação inédita na história da humanidade, são naturais as indagações sobre como agir com as crianças em casa. O cenário é comentado por Maria Thereza Marcilio, fundadora e diretora da Avante, organização sediada em Salvador (BA).
Mestre em Educação pela Universidade de Harvard e licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia, a especialista nota inicialmente que o ensino à distância – que em tempos de pandemia vem sendo implementado sobretudo no âmbito do ensino superior – não é recomendado para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental.
Reaprender a convivência – Maria Thereza Marcilio entende que esse momento crítico coletivo levará ao reaprendizado da convivência dos adultos com as crianças. “O nosso estilo de vida tem levado os pais a ficarem distantes dos filhos. Apenas nos finais de semana a convivência era mais intensa. Agora, com o confinamento, é preciso reaprender essa convivência”, assinala.
Neste cenário, de acordo com sua opinião, o mais importante é que os pais e responsáveis propiciem um ambiente seguro, saudável, harmônico, solidário e estimulante para as crianças. “É importante o cuidado, por exemplo, para evitar acidentes domésticos, como na cozinha e outros espaços. Muito cuidado também com o uso do álcool, que é recomendado na situação atual. Mas é preciso lembrar que as crianças menores, principalmente, se divertem com pouco. Não é necessário um excesso de brinquedos. Com um pequeno estímulo os bebês, que com certeza demandam mais atenção, se distraem por horas”, comenta.
“Com os devidos cuidados, não é preciso que o adulto fique 24 horas monitorando as crianças. É bom que elas tenham seus momentos. É bom que todos tenham seus horários. Inclusive as crianças precisam entender os horários em que os pais estão trabalhando no estilo home office”, completa a fundadora da Avante.
A especialista salienta que inevitavelmente podem surgir conflitos e estresse neste período. “É importante o planejamento, a organização. Por exemplo, os pais podem se revezar no cuidado com os filhos. Também deve haver um bom planejamento nos casos em que as famílias contavam com o apoio doméstico, pois agora isso não é possível. Então deve haver a corresponsabilidade, o compartilhamento de tarefas no cuidado com o ambiente doméstico”, acrescenta.
Falar sobre o coronavírus – Para Maria Thereza Marcilio, é muito relevante que os pais e responsáveis não escondam o que está acontecendo. “É possível falar sobre a situação sem medo, sem paranoia, mas não escondendo nada. É importante esclarecer por que os netos não podem ter a convivência de antes com os avós, porque nesse momento não é possível estar com as professoras, mas sem tornar a situação ainda pior para as crianças. Não é uma situação normal e as crianças sabem disso”, diz, salientando que os cuidados com a higiene são mais do que nunca essenciais.
A especialista entende ser muito preocupante a atual crise sanitária, considerando que milhões de brasileiros – incluindo milhões de crianças – ainda vivem sem condições adequadas de saneamento, de acesso à água e a serviços básicos de saúde. “Esta crise deixa muito evidente a horrorosa desigualdade existente em nosso país”, comenta Maria Thereza Marcilio.
“A grande maioria das crianças no Brasil vive em situações de vulnerabilidade e as famílias precisariam de um apoio maior e efetivo do governo para que essa pandemia não se transforme em um desastre maior. O que para as famílias de classe média e alta significa uma reorganização, para essas outras, que são a maioria, pode significar fome, violência, morte”, alerta.
De modo geral, a fundadora da Avante entende que a pandemia necessariamente levará a um repensar coletivo. “O mundo não estava indo nada bem, com o aumento da desigualdade não apenas entre países, mas dentro deles. A riqueza de uns e a pobreza de muitos aumentando. O desrespeito com o outro, com a natureza, da qual todos nós fazemos parte. Então é hora de reaprender e repensar como estamos vivendo, para pensarmos em um mundo melhor para todos. Com solidariedade, porque sem ela não sobrevivemos”, conclui Maria Thereza Marcilio.